FACILITADORES DE PROCESSOS SOCIAIS
Sophie Clarke.
Facilitação eficaz
Facilitação é o processo de se conduzir um grupo na aprendizagem ou na mudança, de uma forma que incentive todos os membros a participarem. Esta abordagem parte do pressuposto que cada pessoa possui algo único e valioso para compartilhar. Sem a contribuição e o conhecimento de cada pessoa, a capacidade do grupo de compreender ou responder a uma situação pode diminuir. O papel do facilitador é extrair o conhecimento e as idéias dos diferentes membros de um grupo e procurar incentivá-los a aprenderem uns com os outros, a pensarem e a agirem juntos.
O papel do facilitador
O facilitador é uma pessoa que:
1 - reconhece os pontos fortes e as habilidades dos membros individuais do grupo e ajuda-os a se sentirem à vontade para compartilharem as suas esperanças, preocupações e idéias
2 - apóia o grupo, dando aos participantes confiança para compartilharem e experimentarem novas idéias
3 - valoriza a diversidade e leva em consideração as diferentes necessidades e interesses dos membros do grupo. Estas diferenças podem ser por causa do sexo, da idade, da profissão, da instrução e do status econômico e social.
4 - lidera dando o exemplo através de atitudes, da abordagem e de ações.
A facilitação e o ensino tradicional
O ensino tradicional consiste em compartilhar informações numa só direção: do professor para o aluno. A facilitação consiste em compartilhar as informações em várias direções: entre o facilitador e o grupo e entre os membros do grupo. O educador brasileiro, Paulo Freire, acreditava que o ensino devia ser libertador. Ao invés de dar as respostas aos alunos, o ensino deve visar uma maior conscientização, para que eles sejam capazes de identificar os problemas e suas causas e encontrar soluções para eles. O papel do facilitador é ajudar o grupo ao longo deste processo, fazendo perguntas que incentivem novas formas de pensar sobre a situação e de analisá-la. Deve haver um equilíbrio entre oferecer idéias para guiar o grupo e escutar e questionar pacientemente.
A relação entre o facilitador e um grupo de adultos é diferente da relação entre o professor e uma classe. Por exemplo, o professor normalmente apresenta idéias na frente da classe, enquanto que o facilitador senta-se com o grupo e incentiva a discussão em grupo. O facilitador envolve o grupo em atividades que ajudem os adultos com pouca instrução, alfabetização ou confiança a participarem de forma total.
O professor possui uma relação formal com seus alunos, na qual ele está numa posição de autoridade. O facilitador está numa posição de igualdade e, muitas vezes, é alguém de dentro da comunidade, sem um papel de liderança formal, que deseja trabalhar com os outros, para fazer mudanças positivas em sua comunidade. A relação do facilitador com os membros do grupo baseia-se na confiança, no respeito e no desejo de servir.
Em que consiste um bom facilitador?
Um bom facilitador possui certas características pessoais que incentivam os membros do grupo a participarem, entre elas, a humildade, a generosidade e a paciência, combinadas com a compreensão, a aceitação e o incentivo. Estes são dons que todos nós deveríamos desenvolver.
Um bom facilitador também precisa de várias habilidades (veja a tabela acima) e terá de usar uma variedade de técnicas para incentivar os membros do grupo a participarem de discussões ou atividades e ajudá-los a aplicar o que aprenderam nas suas vidas. Entre estas técnicas, estão:
1 - pedir ao grupo para apresentar e compartilhar informações, usando desenhos, diagramas ou materiais visuais, especialmente quando alguns membros do grupo possuem pouca instrução ou alfabetização.
2 - dividir o grupo em grupos menores, para incentivar os membros tímidos a participarem.
3 - usar discussões e atividades em grupo, que permitam aos alunos envolverem-se ativamente no processo de aprendizagem.
4 - pedir ao grupo que entre em acordo quanto a algumas regras para a participação, para que cada pessoa se sinta livre para compartilhar as suas idéias. Estas regras poderiam ser: não interromper, respeitar os pontos de vista diferentes e decidir um número máximo de argumentos que uma pessoa pode tentar provar numa discussão. Se o grupo entrar em acordo quanto a estas regras, eles terão compartilhado a propriedade e a responsabilidade, a fim de assegurarem que sejam seguidas.
5 - dar tarefas específicas para as pessoas dominantes, a fim de proporcionar espaço para que os outros participem, mantendo, ao mesmo tempo, todos ativamente envolvidos.
6 - lidar com o conflito de forma sensível e apropriada, de maneira que as diferenças sejam valorizadas e respeitadas.
Dificuldades que os facilitadores podem enfrentar
Assumir o controle Uma das maiores dificuldades que os facilitadores podem enfrentar é a tentação de assumir o controle de uma discussão ou do processo de mudança. Isto freqüentemente resulta de um desejo genuíno de ajudar o grupo a ir adiante. Se estivermos acostumados com um estilo de ensino formal e se não tivermos tido a oportunidade de observar bons facilitadores trabalhando, pode ser muito difícil mudarmos nossa abordagem quanto à troca de idéias.
Perguntas difíceis Pode ser difícil lidar com as perguntas das pessoas. Os facilitadores podem achar que deveriam ter todas as respostas. Eles podem não ter confiança na sua própria capacidade de lidar com as perguntas relativas a um assunto em particular. Os facilitadores podem simplesmente dizer que não sabem o suficiente sobre uma pergunta em particular para dar uma resposta, mas que vão procurar saber mais para o próximo encontro. É muito útil para eles saberem onde encontrar mais informações. Os facilitadores também podem usar a sabedoria e o conhecimento de outros membros da comunidade, fora do grupo imediato.
Lidar com o conflito Às vezes, as pessoas possuem idéias fortes e conflitantes sobre um assunto. As más relações dentro do grupo também afetam a maneira como o grupo trabalha junto, como um todo. O facilitador precisa levar em consideração as diferenças e os conflitos e incentivar as pessoas a superá-los, tendo em mente as metas e os interesses que possuem em comum.
Quem precisa de habilidades em facilitação?
As habilidades em facilitação são essenciais para qualquer pessoa que esteja procurando liderar os outros num processo participativo de discussão, aprendizagem e mudança. Para que um processo como este pertença à comunidade, ele precisa ser relevante e acessível para a sua cultura e língua. Qualquer troca de informações que houver não deve vir apenas de fora da comunidade. Há muito conhecimento, dentro das comunidades, que pode ser compartilhado. O facilitador pode ajudar os membros da comunidade a compartilharem seus conhecimentos uns com os outros. O facilitador pode ser tanto de dentro quanto de fora da comunidade.
Conclusões
Facilitação significa empoderar os outros. Ela consiste em largar mão do controle do resultado de um processo e entregar esta responsabilidade ao grupo. Isto mostra um comprometimento sincero com o valor e o potencial das pessoas. O processo participativo facilitado exige tempo e paciência. Ele deve estar aberto à orientação de Deus. Isto é um desafio para aqueles de nós que querem ver resultados imediatos! No entanto, no final, ele levará a uma mudança mais abrangente e sustentável, devido ao desenvolvimento de relações fortes, à qualidade da aprendizagem e porque o grupo é o proprietário do processo.
O melhor facilitador é aquele “que as pessoas mal percebem que ele ou ela existe…”
FACILITADOR, SEMPRE QUESTIONADOR
"Nada é mais perigoso que falar e ter razão. É preciso idolatrar o silêncio e a dúvida."
Todorov
“O exercício do silêncio é tão importante quanto a prática da palavra.”
William James
No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa2 encontramos a definição de facilitador como aquele que quer ou pretende facilitar algo ou alguma coisa. Fazendo um exercício de olhar para essa definição sob outra perspectiva, podemos ressignificá-la. O facilitador pode, por exemplo, ajudar o grupo a compreender a complexidade dos processos em que está envolvido, construindo um ambiente de dúvida, ou de aparente ausência de resposta, o que torna o processo em oportunidade de aprendizado.
Na facilitação, o espaço da dúvida é extremamente valioso, pois nele há possibilidade do grupo se debruçar sobre as questões que permeiam a situação com a qual se defronta de forma investigativa. O importante é saber fazer as perguntas certas. A resposta pronta, nesse caso, limita e empobrece a criação de alternativas.
Neste momento, o silêncio é também um fator primordial e a ele deve ser dado o devido tempo, para que as pessoas possam processar as perguntas feitas frente à questão principal.
Saber formular as questões certas é uma arte. Dominar essa arte é uma magia que todo ser humano deveria buscar. Deveríamos nos preocupar mais em descobrir quais são as perguntas realmente importantes, do que ficar em uma interminável verborréia.
PAPÉIS DE UM FACILITADOR
Alguns papéis podem ser observados de acordo com a postura que o facilitador assume em diferentes momentos. Ele pode ser aquele que aprende, aquele que ensina ou aquele que media os diferentes conhecimentos, colocando-se como um indivíduo atuante, ouvinte, como alguém que está prestes a aprender a partir da observação da experiência. Só então está na posição de poder interagir em um processo.
FACILITADOR - PARTICIPANTE
Aqui o facilitador se coloca como aquele que se importa com aquilo que o grupo está vivenciando, como aquele que estabelece uma relação sincera. O exercício mais difícil nesse momento é reconhecer o saber desse grupo, já que no grupo existe uma sabedoria, uma vivência pela qual o facilitador não passou. Isso o habilita a perguntar ao grupo o que está se movendo entre eles, que movimento está permeando aquela situação, qual seria o movimento natural que aquele grupo necessita empreender.
É uma compreensão empática, o que é mais do que simplesmente entender: é investigar a fundo, é realmente se colocar como pertencente a este momento e a esse grupo sem, no entanto, tomar para si a responsabilidade da resposta, da solução. Essas provêm da reflexão-ação-reflexão de todo o grupo. Fazer parte da solução é desenvolver empatia tamanha que o leve a compreender aquilo que vive no grupo, o modo como o outro percebe os acontecimentos e como expressa suas idéias e seus sentimentos.
FACILITADOR - APRENDIZ
Facilitar um processo é ter a capacidade de se colocar como parte dele, ou seja, não existe possibilidade de interagir em um processo se não nos reconhecermos como parte dele.
O facilitador aprendiz é aquele que não traz as repostas prontas, mas prima pela troca de experiências, histórias, vivências e reflexões que cada um traz ao grupo.
O papel de facilitador vai além daquele de ensinar: é mais do que transmitir conhecimentos. Ele não está fora do processo; ao contrário, se coloca, se enxerga, se dispõe como alguém que também está aprendendo com o processo. E com isso o facilitador-aprendiz reaprende a sua própria prática a cada encontro.
FACILITADOR - EDUCADOR
O facilitador é um educador dentro do conceito construtivista: na verdade, mais que um papel, trata-se de uma postura. Uma de suas atribuições é ajudar o grupo a perceber e compreender os diferentes elementos que compõem o movimento do grupo. Para que as pessoas que participam de um processo de intervenção possam aprender é necessário que o profissional assuma uma postura de um facilitador do processo de aprendizado e não de um “professor” que simplesmente transfere o seu conhecimento.
Essa prática estimula o grupo a buscar o auto conhecimento e a abrir-se ao conhecimento externo. Acredito na relevância do grupo identificar as suas qualidades e características individuais e coletivas, pois elas são a mola propulsora que dá vida à organização da qual faz parte.
Carl Rogers diz que o facilitador é como um mestre que estabelece um clima positivo construído coletivamente pelos laços de confiança em relação ao grupo e a cada pessoa que o compõe. E, ser um facilitador, é reconhecer-se dentro do processo e reconhecer as próprias limitações. É ser, no momento da facilitação, ele mesmo, ente que faz a diferença dentro do grupo. Muito diverso de ser aquele que concentra o saber, o facilitador reconhece que o saber está adormecido no grupo e atua como aquele que toca uma trombeta para acordar um exército, despertando o saber do grupo.
FACILITADOR-MEDIADOR
O facilitador-mediador é aquele que estabelece pontes entre os saberes e vivências do grupo e os saberes externos, como as diferentes teorias e técnicas desenvolvidas pela humanidade. Ele aproveita e aproxima as histórias e experiências de outros grupos, por diversos meios como os estudos de caso, tornando-se um catalisador de idéias e ajudando o grupo a tecer e a ampliar a sua rede de conhecimento.
A PRIORIDADE DO PROCESSO
A facilitação de processos de desenvolvimento deve prezar prioritariamente as qualidades das relações interpessoais e pela promoção da confiança mútua entre o profissional e o grupo. Por isso, o facilitador é um elemento fundamental para garantir a coesão do grupo e do processo que está conduzindo.
Nesse sentido, o facilitador é aquele que ajuda o grupo a enxergar o movimento que permeia o processo, a perceber o fio condutor da situação. Ele, então, se assemelha àquele que prepara uma mesa e convida cada participante a trazer seus saberes e sabores para que, juntos, componham um banquete. Nessa mesa nesse momento, todos os pratos são pratos principais e merecem ser degustados com prazer, coletivamente.
CONCLUINDO
Ser facilitador de processos de desenvolvimento é mais do que ser alguém em que se percebe uma soma aleatória de qualidades e habilidades. Tornar-se um facilitador requer o exercício contínuo e consciente de conciliação dessas diferentes qualidades e a coragem de reconhecer e superar as próprias limitações. Exige que se articule coerência, eficiência e gentileza, sem o que é pouco provável que se dê conta da complexidade envolvida em qualquer processo de desenvolvimento individual (inclusive o do próprio facilitador) e do grupo. O facilitador estará desempenhando em profundidade o seu papel ao promover a aproximação dos envolvidos, a redução dos ruídos na comunicação, a clarificação das idéias e a diminuição das ambigüidades.
Com isso é potencializado o que há de mais profundo nos seres humanos: os sentimentos e desejos, tornados propulsores de ações concretas para mudança e transformação social.
1 - Este texto é o fruto de reflexões realizadas durante um ano, junto a outros profissionais e facilitadores. A intenção não é esgotar o assunto e nem apontar respostas exatas, mas compartilhar e gerar novas reflexões.
2- Ferreira, Aurélio. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1999. p. 751
* Raniere Pontes de Sousa, 29 anos, é Pedagogo e Gestor de Organizações do Terceiro Setor, atua há quase 10 anos como assessor técnico de projetos sociais na ONG Visão Mundial, e trabalha no Terceiro Setor há 14 anos. Participou da primeira edição do Programa Profissão Desenvolvimento realizado pelo instituto Fonte em 2004-2205.
“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
Cora Coralina