sábado, 24 de setembro de 2011

Cruz das Trevas - Eduardo Varandas Araruna

 
 
A História do Brasil nunca foi um exemplo de virtudes. Os portugueses que aqui chegaram trucidaram os índios e estabeleceram um regime imperialista, escravocrata, latifundiário e machista.
Nesse contexto, a História da Paraíba também não destoa muito dos registros nacionais. A capitania do Rio da Paraíba, desmembrada do insucesso de Itamaracá, nunca teve boa sorte nos seus destinos políticos, econômicos e sociais. Com efeito, durante muito tempo, viveu abandonada e numa dependência patológica de Pernambuco.
A verdade é que o regime estabelecido pela Coroa portuguesa no Brasil-Colônia ainda remanesce vivo nas terras de Felipeia, nada obstante inúmeros e revelantes eventos sociais que mudaram a História brasileira, entre os quais destaco a redemocratização do país, a qual teve seu cume com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Para mim, nossa política agride os primados da evolução política, transformando isto aqui não em uma colônia dependente e obediente, mas num feudo que quase não difere da época medieval, pois o povo é mero bolero tocado em época de eleições e logo depois esquecido no mofo da fome e da falta de cidadania.
Apenas para fins de esclarecimento ao leitor, os feudos eram unidades políticas da Idade Média, quando reinavam o medo e a insegurança, e as pessoas tinham que prestar favores aos senhores feudais e às suas famílias, se quisessem algum futuro nas suas vidas.
Pois bem! Aqui, a coisa continua parecida. Nas últimas décadas, houve uma sucessão de clãs no poder, os quais, violando todas as regras de um Estado Democrático de Direito, apuseram (e ainda o fazem) seus interesses pessoais acima das necessidades sociais de nosso povo.
Isso para não falar na incompetência administrativa que faz do Estado um dos piores em termos de desenvolvimento econômico e social do país. O descaso com os pequenos lembra muito o tratamento dado aos milhares de anônimos que viviam na dependência dos chefes dos feudos de outrora.
Por isso, a Paraíba remanesce com a feição colonial estabelecida pelos portugueses: imperialista e latifundiária. Acrescenta-se a essa caixa de Pandora o regime opressivo e de favorecimentos, muito similar ao feudal.
O que mais me assombra hoje é a situação da saúde pública. O Poder Executivo decide privatizar o mais importante hospital de urgência e emergência traumatológica sob as viças e oiças dos outros poderes, e nenhum impedimento há. Poucas vozes se levantaram contra a maldade pública, e algumas destas, frise-se, são meramente oportunistas.
Estabeleceram, dentro do Hospital de Trauma, uma "cruz de trevas", onde a fiscalização do trabalho comprovou a violação às mais básicas regras das CLT: carteiras de trabalho retidas, desvido de função, falta de registro de empregado, jornada irregular de trabalho, tudo muito comprovado através de relatórios de auditores fiscais federais.
O Secretário de Saúde afirma que agiu respaldado pelo Ministério Público do Estado. Primeiramente, Senhor Secretário, a Constituição proibe ao MP de agir na condição de órgão consultivo dos poderes. O Parquet existe para ficalizar o cumprimento da lei, e não para dar conselhos. Aliás, esta seria a função da Procuradoria Geral do Estado que, se fechou os olhos ou não para tamanha ilegalidade, a verdade é que quem paga o preço hoje é o cidadão paraibano pobre, vitimado de acidente, que hoje tem que recorrer à "cruz das trevas".
O governo afirma com tanta convicção que é legal a sua postura açodada e desmedida na privatização da saúde, olvindando-se que, no julgamento do STF, antes do pedido de vistas que adiou mais uma vez o desfecho, o Min. Carlos Ayres Brito entendeu ser inconstitucional tal sistema de terceirização pública mediante OS. Estamos falando de um dos maiores juristas vivos do Brasil.
É! O pior sintoma de nossa problemática sociedade não é este ou aquele governo, na verdade, falo da corrupção, existente em todo o Brasil e superpotente na Paraíba. Esse mal, como uma traça mutante, adapta-se a novos governos e continua devorando os recursos que deveriam abastecer as necessidades dos brasileiros. As obrigações do Estado brasileiro estão nas leis, e o dinheiro está nos cofres públicos. Que falta para fazer o concurso para a saúde pública? Organizar seus quadros? Remunerar bem seus profissionais? Prestar um serviço digno?
Na verdade, as autoridades paraibanas, salvo raríssimas exceções, crescem pela retórica do vácuo, proclamando ao povo néscio benfeitorias inexistentes e feitos heroicos que só encontram lastro na mitologia greco-romana ou no folclore brasileiro.
Eduardo Varandas Araruna
twitter: @eduardovarandas

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